segunda-feira, 8 de março de 2010

Encruzilhada de palavras na rota da poesia


Ana Cancino – Estudante de Literatura na Universidade de Berkeley
e Milena Britto

“Setenta e cinco navegações/ completas/em torno do Sol.” (Outro aniversário)

No livro de poemas “Sob o céu de Samarcanda”, de Ruy Espinheira Filho, pode-se apreciar uma síntese do trabalho dos poetas E. E. Cummings, Manuel Bandeira e Coral Bracho – já que possui um “modern twist” de tom irônico, imagens delicadas da natureza, e uma linguagem concreta e abstrata. “Sob o céu de Samarcanda” é uma encruzilhada de sonoridade que vai da tradição clássica à literatura de cordel.
A obra de Espinheira Filho está impregnada de um aspecto mágico, cheio de segredos e possibilidades. O próprio título nos translada à cidade uzbeka de Samarcanda. É ali que, no ano 751, fabrica-se por primeira vez o papel no mundo islâmico. O segredo da fabricação de papel se espalha pelo resto da Europa, e do mundo, imediatamente. E como se fosse pouco esse detalhe, em um dos textos mais exóticos e célebres da literature oriental, “As mil e uma noites”, a personagem Shahryar é o rei dessa cidade.
Ruy Espinheira Filho usa essa zona fantástica para ilustrar a encruzilhada de tradições literárias e temas poéticos em seu livro, já que a cidade de Samarcanda destaca-se na Ásia Central por ser o ponto intermediário na rota da seda, entre a China e a Europa. O livro é também uma encruzilhada: páginas salpicadas de sonetos e versos livres, de um naturalismo-modernismo contemporâneo, de Khayyam, Bispo dos Santos, Mário de Andrade, Merlin e “anjos, unicórnios, fadas”.
O livro está dividido em três partes. Na primeira parte, “sob o céu de Samarcanda”, encontram-se poemas escritos entre 2005 e 2009 com temas tradicionais de amor, sonho, memória, tempo e espaço. Na segunda, “Romance do sapo seco”, tem-se um poema dramático, quase autobiográfico, no qual se comete um assassinato para evitar “morrer um sapo seco”. A última, “Sete poemas de outra era”, é uma coleção de prosa transformada em poesia, escrita entre os anos de 1969 e 1975.
O livro está reunido, de uma maneira ou outra, através de um leitmotiv que está no mesmo pulso da lírica: um tom irônico, burlesco. Os seguintes títulos de poemas ilustram o tom brincalhão que une a obra: “Canção do efêmero com passarinho e brisa”; “Canção dos pobres insabidos”; “Soneto do nome”; “Plínio o velho e a nuvem misteriosa segundo plínio o moço, e uma análise de Humberto Eco com breves considerações finais de um poeta seguramente persona non grata”; “Bilhete a Manuel Bandeira”; “Canção que eu gostaria não ter escrito”; “Mais um”; e “A morte e o bom-dia” entre outros. A ironia é a balança adequada para a magia nos poemas.
O mundo mágico de Samarcanda serve como um tecido de seda para experiementar a interação entre um sujeito e seu meio ambiente. “Sob o céu” leva-nos em uma viagem pitoresca e bem humorada por uma rota histórica, letrada e humana.

Sob o Céu de Samarcanda/Ruy Espinheira Filho/Bertrand Brasil/240 p./35 reais
publicado no A tarde em 06/03/2010

4 comentários:

  1. ☞ Qué RICO.

    "Que Ahorita Vuelve," de la Bracho:

    Te hace una seña con la cabeza
    desde esa niebla de luz. Sonríe.
    Que sí, que ahorita vuelve.
    Miras sus gestos, su lejanía,
    pero no la escuchas. Polvo
    de niebla es la arena.
    Polvo ficticio el mar.
    Desde más lejos, frente a ese brillo
    que lo corta te mira,
    te hace señas. Que sí, que ahorita vuelve.
    Que ahorita vuelve.

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  2. Gostei muito da resenha a quatro mãos. Dos poetas citados só conheço bem o trabalho de Bandeira. E esse ambiente oriental referido me deixa à beira de uma poesia sobre o tapete voador e sob a luz de Aladin, mas ouvindo coachar de sapos. Onde encontro o livro para comprar? Ah, dica: vá ver o filme sobre o Manoel de Barros. Beijocas e seja bem-vinda. Andréia.

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  3. ☞ Só Dez Porcento é Mentira- Desbiografia oficial do poeta Manoel de Barros (2009) de Pedro Cezar.

    --

    Todos os caminhos - nenhum caminho
    Muitos caminhos - nenhum caminho
    Nenhum caminho - a maldição dos poetas.

    -II, Retrato Quase Apagado em que se Pode Ver Perfeitamente Nada
    de "O Guardador de Águas"

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  4. Andreia, antenitas: as minhas queridas silvana e karina me deram esse presente: levaram-me para ver, num dia de muita chuva, o filme sobre o querido poeta... e, sim, o filme é lindo, vocês tem razão... ou melhor, lindo o poeta-poesia...

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