sábado, 12 de junho de 2010
“Elas” sem pseudônimos, mas com blogs, ‘cartas’ e twitter: escritoras da Bahia contemporânea
Imagem da artista visual Mari Fiorelli - www.ociumeilustrado.blogspot.com
Publicado em A tarde 12/06/2010
Eu não acho, definitivamente, que a Literatura deva ser classificada, mas, com o mínimo de olhar crítico, é impossível não se aperceber da diferença que houve no tratamento e no acesso de mulheres, e outras minorias, às publicações literárias.
A arte literária é complexa como produto, envolve criação, publicação, circulação e recepção. Enquanto as mulheres, até o século XIX, lançavam mão de tudo quanto fosse estratégia para chegar aos leitores, uso de pseudônimos masculinos, casamentos convenientes com escritores ou com Jesus (as que souberam bem articular desde a Igreja, como Sor Juana e Amélia Rodrigues ) e outros trágicos e cômicos artifícios, as de hoje escrevem em blogs, twitters, sites; postam, mandam “cartas” para o público e experimentam, inclusive, processos ‘novos’ de criação, frutos dos avanços da tecnologia: as intertextualidades, as linguagens híbridas, a sobreposição de texturas literárias.
As cartas, como as da coleção “Cartas baianas”, da editora P55, são mandadas com carinho e com sucesso: a edição, despretensiosa, é cuidada dentro de um projeto gráfico simples e, ao mesmo tempo, atraente, com o visual jovem que nos dá vontade de mexer de forma fetichista quase. E não custa muito, ainda que o preço corresponda ao tamanho e à bem bolada – não sei se consciente- forma de pegar o público: alguns dos textos chegam ao final e o leitor tem vontade de mais, certamente dispostos a consumir o segundo tomo se houve/r/sse.
As remetentes das “Cartas” são diversas em seus estilos e linguagens: Kátia Borges, Allex Leilla, Karina Rabinovitz, Adelice Souza, Renata Belmonte, para citar algumas.
A poesia das “Ks”, Kátia e Karina, são distintas: Rabinovitz trabalha mais com composições visuais,embora haja também poesias cuja musicalidade é explorada, não só pelos jogos com as palavras, mas com o próprio ritmo e recursos sensoriais. Muitos de seus versos são imagens, arranjos gráficos, poemas-coisas, os quais invadem também a cidade como instalações poéticas, numa agradável e possível mistura de artes visuais com texto poético. Basta pensar nas caixinhas com poesia dos pontos de ônibus, as pinturas de versos nos muros da cidade, o lambe-lambe poesia, os balões que escondem versos e outras poéticas instalações. Chama-me a atenção a sua coragem em explorar a poesia dessa maneira, e a visível ausência de hierarquia entre as variadas formas de expressão artística.
Kátia Borges mergulha na palavra e a explora como parte de uma tessitura firmemente marcada pelo sentimento que vem da experiência, mesmo que seja da experiência da memória. Em sua poesia, a memória de uma geração – que não corresponde temporariamente ao seu tempo de produção, mas que sem dúvidas foram suas referências - vai surgindo não apenas pelas pistas literárias e culturais que faz emergir, de John Fante a Janis Joplin, mas também pelo acercamento a uma poesia que revela o lugar do poeta e, com isso, seu envolvimento com o seu tempo, com a própria literatura e o desvendamento do sujeito que faz da poesia a sua morada.
As “As” da coleção, Allex Leilla e Adelice Souza, trazem temas fortes em suas produções e ambas trabalham bastante com o desejo; são diferentes, ainda que com semelhanças que as trazem ao lugar de onde escrevem: o presente. Allex Leilla ‘compõe ‘ ficção com poesia. A escrita madura, bem fincada na liberdade que se dá em termos de experimentos de linguagem e exploração minuciosa do corpo como parte dos textos, numa muito interessante relação de carne-palavra, faz mergulhos pelo submerso do sujeito, da palavra, mas não foge dos encontros com suas influências literárias, seus gostos musicais e poéticos. O seu texto traz referências, citações e recuperações de versos entram na sua obra num bem balanceado diálogo e vai além: acaba fazendo parte de seu texto de maneira natural, sem, contudo, perderem o sentido primeiro.
Adelice brinca seriamente com o “teatro das palavras” explora a dramaturgia latente nas histórias de vida das personagens; como as demais, “intertextualiza” em sua escrita de forma peculiar e experimenta entrar na intimidade das personagens sem pudores, revelando-as e desmacarando as suas dores e o seu riso num texto forte.
Renata Belmonte, com a sua Sta. B., explora a relação autor-personagem, joga com essa relação e vai percorrer o caminho que as personagens percorrem. Não carrega pesos e a escrita vai solta, pontuando pelo caminho as observações da vida, a intimidade com o presente dentro e fora da obra, e a ‘farsa’ que limita realidade e ficção.
Dos blogs há outras, além das que foram publicadas pela coleção “Cartas baianas’, como Eliana Mara Chiossi, que reuniu as suas ‘postagens-escritos’ no livro “Fábulas delicadas”, da editora Escrituras. Eliana, entre todas as escritoras dessa geração, é a que mais assume uma feminilidade como parte de sua obra, explorando, nos textos, esses lugares do feminino na contemporaneidade, externamente falando, e também na intimidade de certas experiências como a maternidade, a fantasia, o desejo, o papel de filha, de mãe; recupera metonímias e metáforas levadas por palavras que muitas escritoras rejeitam pelo estigmatizado que ficou o vocabulário dito “feminino”: jardins, flores, cores, deus, divagações. A sua escrita, nesse primeiro livro que saiu de seu blog, promete percurso e a escritora se mostra com coragem.
Ana Paula Fanon, poeta, produtora cultural, fotógrafa e jornalista, que mantém o blog literatura subversiva, não privilegia a sua poesia frente ao texto jornalístico: em seu blog há tudo em igual destaque. É uma blogueira-poeta que usa a paixão e a liberdade para variar nos temas e formas de sua poesia.
Elas, as baianas, sem “nicknames”, pudores, ou restrições, vão traçando um percurso abrangente de temas e experimentações, usando ao seu favor os novos meios de divulgação, mas não se limitando a isso; utilizam os próprios meios para experimentar na linguagem, revelar outras facetas, trocar experiência, expor poesia como instalação, publicar o que gostam e lêem. E as que mandam ‘cartas’, mandam-nas seus nomes, dando ao momento a certeza de que elas assinam. Os nomes e, sobretudo, as obras.
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Olá, vi primeiro a matéria no blog e depois vi no jornal. Uma prova de que os blogs estão sendo lidos..rs..Obrigada pela generosa matéria. Assim este nosso publico baiano vai conhecendo aos pouquinhos a escrita da nossa terrinha. Deixo o meu mail pra trocarmos eventuais figurinhas. Abraço.
ResponderExcluiradelicesouza@oi.com.br
Oi Adelice,
ResponderExcluir...E olha que esse blog está aqui meio escondido, não é divulgado porque não sei ainda que cara dar a ele e só o divulgo para poucos; por enquanto é uma espécie de "arquivo", mas, vez por outra, recebo aqui visitas como a sua e fico feliz com o diálogo. Legal mesmo essa troca e vou anotar o contato sim. E você tem razão, assim como eu própria estou fazendo, acho legal que se possa saber o que rola na cidade e, eventualmente, poder fazer articulações com a produção do restante do país, o que faz falta. Essa Literatura é produzida na Bahia, mas é do mundo, né não? beijos.
Querida,
ResponderExcluirEstou adorando te ler, quero muito falar com você. Mande um e-mail para lilith_28@hotmail.com
Temos muito a conversar e tenho um convite a fazer. Deixa de viajar o tempo todo, aqui tem muito mais para você!
Bjs!!!
Maia
feliz de estar aqui!!! feliz com seu olhar. beijo!
ResponderExcluirObrigada, Poeta. Esse prazer é meu!
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirQue alegria descobrir seu texto! Muito obrigada pelas palavras e por lembrar de mim! Ou melhor: de nós duas!(rs)
ResponderExcluirbjs
Renata,
ResponderExcluirO prazer de lê-la(s) foi todo meu. E espero oportunidades para ler mais! Estou pensando em fazer um ensaio sobre a literatura das escritoras contemporâneas brasileiras e assim, já comecei a pensar :-)