sexta-feira, 16 de julho de 2010

De Macondo ao mundo: desvendando Gabriel Garcia Marquez



“O outono do Patriarca”, “Cem anos de solidão”, “O amor nos tempos de cólera”. Essas e outras obras foram lidas por todo o mundo e o autor, Gabriel Garcia Marques, expoente do realismo fantástico, é um dos mais conhecidos da Literatura latino-americana, assim como a sua “Macondo”. Agora, curiosamente, não é uma obra do escritor colombiano, ganhador do Nobel, que vem causando rebuliço e sim uma biografia não autorizada, mas, “tolerada” por ele.
O hispanista inglês Gerald Martin, Professor Emérito da Universidade de Pittsburg, é o autor da extensa biografia, resultado de uma pesquisa de quase 20 anos. As fontes entrevistadas, mais de trezentas, vai de ex-amantes até o próprio Gabriel, que chegou a dizer que não se daria ao trabalho de esclarecer nada.
Além de entrevistar o escritor e sua família, Gerald consultou muitas obras, documentos, cartas, artigos, conversou com estudiosos da obra do colombiano e mergulhou na biografia que o próprio Gabriel escreveu há alguns anos para contestar a veracidade das informações ali colocadas.
A biografia levanta outra vez a discussão do limite entre realidade e invenção, que, na literatura, o termo ficção parece ter mais razão de ser. As informações e fatos colhidos, de qualquer maneira, dependem da interpretação de quem escreve para fazer sentido. Está aí a resposta: essa biografia não seria mais ou menos verdadeira do que a de Garcia Marquez, embora, obviamente, o que a invalidaria seriam as distorções que pudessem haver.
Não parece ser o caso, embora haja ali um apelo de impor uma leitura frente aos buracos da vida do Gabo, aliás, do início ao fim do livro, é assim que Gabriel é tratado por Gerald: Gabo.
Apesar dos muitos dados, a leitura flui. As páginas mais complicadas são as que correspondem às origens familiares, uma saga emaranhada cujas raízes estão no povoado de Aracataca, e cujas origens Martin rastreou, basicamente, através de relatos orais dos descendentes. Ao mesmo tempo, o autor vai traçando a história de uma Colômbia diversa e complexa, e depois de “ o bogotazo”, violenta.
A infância de Gabriel, onde se mantém uma certa obscuridade, foi difícil. A mãe, que “abandonou” o filho - criado pelos avós maternos até os 7 anos - logra recuperar um espaço de aproximação na adolescência do primogênito, mas o pai é sempre um homem distante.
As mudanças constantes de ambientes, acompanhando o movimento da família e de Garcia Marquez, torna dinâmica a narrativa, que deixa entrever a fixação de certos mitos que foram parar nas obras de Gabriel, sobretudo, em “O outono do patriarca”, onde fatos de sua vida mais aparecem.
O jovem Gabriel é descrito como um rapaz mulherengo, boêmio, embora apaixonado pela leitura, pela escrita. O casamento com Mercedes - cujo primeiro encontro, quando esta tinha nove anos e Gabriel 14, fica escondido na obra- causa uma transformação radical no escritor que passou inúmeras dificuldades econômicas - de não ter o que comer e ter, por exemplo, de penhorar a máquina de escrever que ganhou da mãe ou dividir o pão das prostitutas – até chegar à Universidade e iniciar as primeiras poesias, começar a carreira de jornalista em Cartagena. Tudo o que pode, Martin documenta nestes relatos minuciosos.
Há também a relação de Gabriel com Tachia, a atriz que conheceu em 1953, em Paris, cujo caso termina em aborto. Antes de Paris, aparece a figura de Ramon Vinyes, o escritor que é personagem em “Cem anos de solidão”. Entre bebidas, farras e bordéis, Gabriel descobre Joyce, Faulkner, Kafka e ainda o folclore colombiano. Gabo interessa-se pelo cinema italiano, o marxismo, a política, e vai, aos poucos, se transformando em um homem atento ao mundo. Inclusive, esse é um dos méritos da biografia: analisar as etapas sucessivas na vida do autor.
No México, o encontro com Carlos Fuentes o deixa inseguro, pois achava o amigo mais inteligente do que ele. E no DF Gabriel leva um “soco” de Vargas Llosa, segundo o que foi “investigado” pelo autor de “Uma vida”, por ciúmes da mulher de Mário.
As primeiras partes do livro são sobre o período antes da fama; da escrita dos seus livros primeiros; depois do sucesso, as análise sobre o posicionamento político e o ativismo tornam mais objetiva a escrita e com menos novidade. Mas está ali a amizade com Fidel Castro, Omar Torrijos, Felipe González, sua ida a Cuba para fundar a Escola de Cinema, suas preocupações com a guerrilha colombiana. A biografia – que vai da infância até os últimos anos - aborda desde a busca pelo poder, pelo qual Gabriel se sentiu sempre atraído, até o reencontro com o pai, muitos anos depois do sucesso e, por fim, um último encontro de GGM com Martin, o autor da biografia “tolerada”.
Gabriel Garcia Marquez: uma vida/Gerald Martin/trad. Cordelia Magalhães/ Ediouro/814 P.

Publicado no caderno 2 do Jornal A tarde em 11/07/2010

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