segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010
O Ulisses dos quadrinhos
O romance em quadrinhos “Jimmy Corrigan, o menino mais esperto do mundo” está sendo lançado no Brasil pela Companhia das Letras. O autor, o americano Chris Ware, tornou-se uma das maiores referências na história dos quadrinhos. A crítica americana o classifica como o James Joyce do gênero e “Jimmy Corrigan”, ganhador de vários prêmios literários importantes, o Ulisses das narrativas gráficas.
Particularmente, sou leitora moderada de HQs, mas encontrei, na obra, não apenas uma originalidade na arte do desenho e diagramação, mas um refinado e denso diálogo entre texto e imagem. Não há nada no livro que possa ser visto como uma facilitação ao leitor. Ao mesmo tempo se percebe que o desejo é de comunicar os sentimentos presentes na história, que gira em torno da vida de Jimmy, um homem de meia-idade perdido entre a infância e a vida adulta, atormentado pela presença da mãe, à qual telefona todos os dias, numa dependência psicológica bem ao estilo da tradição freudiana.
Para o leitor habitual de quadrinhos a experiência com “Jimmy Corrigan” não se assemelha a nada antes visto. A narrativa é complexa na estrutura e na história. Não há ações ou mesmo sucessão de fatos; a história é fragmentada tanto no tempo (passado e presente se confundem em “três gerações” de Jimmy: ele próprio, seu pai e seu avô) quanto na realidade (a fantasia se mescla à vida da personagem sem que haja qualquer fronteira e vemos os sonhos de Jimmy como extensão de seu cotidiano).
Os desenhos configuram um universo simples nas linhas e cores, mas um emaranhado nas seqüências. O fluxo de consciência, já conhecida técnica literária moderna, é levado ao grau máximo de refinamento nos desenhos. A apresentação do livro é original e na capa se tem um resumo da proposta estética do autor, que utiliza técnicas da publicidade e do design gráfico americano, imprimindo uma voz autoral na exploração dos detalhes.
O livro traz ainda descrições técnicas, receitas e moldes de brinquedos “inventados”, que aparecem repentinamente na história, além de explicações do que seria aquele “apólogo”. O título, que faz referência a um garoto, não é mais do que outra das ironias de Ware, pois o personagem Jimmy é um adulto. A intenção é mostrar que nos adultos habita a criança e que as distorções observadas na história de um país e de um sujeito têm suas bases delineadas numa “infância”.
O trabalho temporal é também apurado, tanto na representação histórica do cenário, a velha Chicago, quanto nos hábitos e nos detalhes do cotidiano, pois Jimmy é fascinado pela história do seu avô e, à medida em que se manisfesta a sua insegurança de adulto, que não consegue se relacionar com as mulheres ou ter amigos, vamos acompanhando o passado de seu avô, num movimento circular de experiências sentimentais que comunicam o que não sabemos de Jimmy.
Os quadrinhos não são regulares nos tamanhos e nem nas sequências lógicas. Os ângulos escolhidos dependem muito mais da carga sentimental envolvida do que do sentido da história. Tecnicamente, o resultado é muito bem sucedido. Muitas vezes, não há como não parar diante de um único quadro cujo detalhe absorve toda a carga semântica do sentimento das personagens. E com poesia. Os sonhos também são outro canal de diálogo, e há temas que se repetem neles, como o primeiro dente que a criança perde, experiência densa de sentido, tanto na história de Jimmy quanto na do avô, cuja representação imagética fascina pelos sentimentos distintos que cada uma das sequências é capaz de despertar.
A história traz cenas violentas e sentimentos obscuros potencializados num detalhe ou numa cor, sem uma seqüência narrativa autoexplicativa, com passagens de morte, nascimento, busca e solidão. Também não se ignora que por trás da história de Jimmy, autobiográfica em certos pontos, há uma nítida referência ao sentimento de decepção diante dos novos rumos da sociedade norteamericana, que perde o ideal romântico da liberdade e de uma vida perfeita, com desenvolvimento urbano, econômico e satisfação do sujeito, para cair num apelo político e num consumo desenfreado.
Além do desencanto, há um olhar profundamente irônico sobre o sujeito contemporâneo que transita entre a vida cotidiana e a fantasia de heróis superpoderosos. Assim, não é de se espantar que Jimmy fique intrigado quando o superman, seu herói da infância, suicida-se, atirando-se do alto do edifício onde Jimmy trabalha, depois de lhe deixar um pequeno bilhete.
Ware compartilha com o leitor uma seqüência de experiências, tanto visuais quanto históricas, numa poética textual e gráfica elaborada, levando o leitor a deparar-se com um sujeito fragmentado, solitário, frustrado, mas ainda em busca de respostas.
Jimmy Corrigan, o menino mais esperto do mundo/Chris Ware/ Cia das Letras/388 p/R$ 49
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ResponderExcluirA Fita Branca
Squiloillo
Vou tentar puxar os links, obrigada por ter me introduzido ao Squiloillo. Desde esse dia em sua casa que eu o tenho em minha mente. E o filme é muito bom. A companhia também... que tal fazer uma resenha e me mandar para postar aqui??
ResponderExcluirdeberias ver el filme otra vez ya que esta en el Espaço Unibanco de Cinema- Glauber Rocha. aprovecha!
ResponderExcluirpues, ese tu delirio sobre las resenhas me da ñañaras...
Deja las ñañas y escribe ya! voy a ir ver la película otra vez!
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