sábado, 6 de fevereiro de 2010

Um céu de origamis em paisagem carioca




O gênero policial mais cedo ou mais tarde nos chega. Comigo foi ainda na adolescência, com Agatha Christie e seu Hercules Poirot e Arthur Conan Doyle com o detetive Sherlock Holmes. Um pouco mais tarde, veio a descoberta de Poe e Dupin ficaria para sempre, a tal ponto que, a cada par de anos, volto à rua Morgue. Há outras dessas personagens peculiares da linha detetivesca, certamente, como o Mandrake do Fonseca, mas, no Brasil, o gênero ainda possui poucos autores dedicando-se a criar investigadores inesquecíveis.
Há tentativas, de certo modo até bem sucedidas, de se explorar mais o gênero na literatura brasileira contemporânea. O autor de “Céu de Origamis”, Luiz Alfredo Garcia-Roza, vem se dedicando a isso, e seu delegado Espinosa é seu parceiro, conseguindo uma consistente produção de romance de mistério.
O autor, que já publicou nove livros do gênero, demonstra intimidade com a técnica narrativa de enigma e consegue segurar a curiosidade do leitor, dando-lhe algumas surpresas. A começar pela substituição de um crime por um desaparecimento, no desenrolar do mote inicial, já que, obviamente, romance policial que se preze deixa por aí um corpo. Assim é que um dentista, numa certa manhã, após fazer tudo igual ao que sempre fez, desaparece e com isso temos o delegado Espinosa a postos. Com uma personagem femme fatale rondando-o, claro.
A narrativa traz mudanças, leves, na figura de Espinosa (o delegado-detetive que aparece nos demais romances do autor), que agora ganha mais espaço de intimidade familiar, como a volta do filho que foi criado nos Estados Unidos e que, além de dar mais chance ao Espinosa de se mosrar uma personagem mais densa (notam-se conflitos ideológicos entre os dois que passam a dividir a casa pela primeira vez), vai deixar a trama mais inquietante, pois chega cheio de mistérios, nunca sabemos porque veio, e se envolve com uma das personagens ligadas ao dentista desaparecido.
O delegado assume o caso, primeiramente, como amador, já que está afastado da delegacia por estar se recuperando do problema de saúde enfrentado no romance anterior, e depois como profissional, voltando a sua delegacia, e essa mistura faz bem ao romance, porque explora-se mais a análise dos mistérios. O romance é até mais interessante na primeira parte.
Apesar de se notar a habilidade narrativa de Garcia-Roza, o desenvolvimento das personagens é superficial e os clichês aparecem muitas vezes, ainda que se vislumbre um potencial psicológico por ali. Também há alguns erros na trama, estranhos para um autor experiente, como o fato de o filho do delegado descobrir que o restaurante no qual almoçou com a jovem envolvida no “crime” (com quem ele acaba desenvolvendo uma relação) não funciona como restaurante; o edifício que ela diz morar ninguém com seu nome vive; a jovem troca de nome e isso toma um tempo grande da trama, mas, esses fatos jamais voltam à tona; perdem-se por ali, revelando-se um deslize de continuidade.
O romance, se lido dentro do conjunto da obra do autor, tem bastante qualidades. Os aspirais, as pistas e as confusões agarram e mantêm o leitor, e o delegado, menos impulsivo, menos de ação e mais observador e analítico, charmosamente, segura o crime e nos deixa sob um céu de origamis em uma Copacabana bem carioca.

Céu de origamis/Luiz Alfredo Garcia-Roza/Companhia das Letras/262p./39 reais
Publicado no Jornal A tarde, caderno 2+, 06/02/2010

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