segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Os labirintos da maçonaria





“Naquela noite, enquanto Mal’akh descia a rampa, os sigilos e sinais tatuados em sua carne pareciam ganhar vida sob o brilho celeste da iluminação do porão. Antes de adentrar a névoa azulada, ele passou por várias portas fechadas e encaminhou-se diretamente para o maior dos cômodos, no final do corredor.”
Perante a quantidade de críticas impiedosas que o novo best-seller de Dan Brown, O símbolo perdido, vem recebendo pelo mundo afora, é difícil ser original e dizer algo que não tenha sido dito. É que, no fim das contas, não é preciso grande erudição para perceber a falta de qualidades literárias numa obra desenhada para, no máximo, entreter e, sobretudo, para vender. Trata-se, em realidade, de uma repetição nada imaginativa da mesma fórmula usada em O Código Da Vinci: uma conspiração tramada por um vilão e a correria do protagonista Langdon para desvendar o mistério oculto, pseudo-ciência barata, uma dose de polêmica religiosa (bem mais moderada, no caso de O símbolo perdido), infinidade de clichês e lugares comuns disfarçados de revelações filosóficas e um suspense fácil que é a chave do page turner. O resultado é, como disse o crítico espanhol Rodrigo Fresán, “um folhetim cruzado com guia de turismo e a reciclagem de inverossímeis teorias já enunciadas até o cansaço”.
Entretanto, imunes à crítica e demais advertências (um jornal católico italiano esbraveja por não ser o romance suficientemente hostil à maçonaria, a Sociedade Maçônica o critica por conter erros e mistificações, amantes de Washington lamentam a imagem criada da cidade), leitores de todo o mundo correm às livrarias, atingidos por esse fenômeno inexplicável da indústria do best-seller. Em dois dias, mais de um milhão de cópias foram vendidas nos Estados Unidos, Canadá e no Reino Unido. Segundo informações divulgadas pela Doubleday, a primeira edição é de 6,5 milhões (a maior edição na história da Random House). O precedente de O Código de Da Vinci (mais de 81 milhões de livros vendidos desde o seu lançamento em 2003 e um filme homônimo protagonizado por Tom Hanks que ganhou mais de 758 milhões de dólares), somado à expectativa de seis anos de espera, garante a este novo romance vendas milionárias.
Mas o fenômeno não é tão inexplicável assim. A estrutura de folhetim, usando aqui a associação feita pela pesquisadora Nancy Vieira, com elementos de romance policial e os mistérios que envolvem religião, é por demais atraente. Leitores se sentem verdadeiros detetives e, ao mesmo tempo, sentem que vão ser especiais ao descobrirem o mistério religioso que as tramas de Dan Brown oferecem. A atração por isso chega a ser quase inevitável e não foram poucos os que, mesmo se dizendo críticos e amantes de Literatura, submeteram-se compulsivamente à leitura do Código Da Vinci. Esta que vos escreve agora passou também por isso. Contudo, a curiosidade se esgota logo diante das fórmulas repetitivas e depois nada fica dessas personagens, ao contrário de outros livros, como “O nome da rosa”.
Se a fórmula da construção do romance é a mesma utilizada no Código, a temática e o local da história são diferentes. Em vez da Igreja Católica e a Opus Dei, temos a maçonaria; em vez de Paris, temos Washington. O vilão, neste caso, chama-se Mal’akh, um eunuco musculoso e tatuado dos pés a cabeça, que seqüestra o amigo e mentor Peter Salomon, numa sequência de ações misteriosas, envolvidas em tensões e quebra-cabeças. Nem ele nem as outras personagens são desenvolvidas para além da superfície, e suas ações não fazem necessariamente muito sentido, mas isso não deixa preocupado o autor. A única coisa que parece lhe importar é criar os cenários e as situações necessárias para uma sucessão vertiginosa de acontecimentos, mesmo que inverossímeis.
A fascinação geral pelo mistério e pelo oculto é explorada nos segredos da maçonaria (sem que, evidentemente, o autor tenha tido acesso a eles), e o gosto pelo esoterismo e o além é satisfeito por uma mistura bizarra de suposta ciência e fórmulas(inhas) fáceis do “poder da mente sobre a matéria”, chamada “ciência noética”. E o pior: o autor tenta nos dizer que isso tudo “é verdade”… e podemos entrever um sorrisinho cínico e nada elogioso para a nossa inteligência.
Com essas matérias primas está posta a andar a engrenagem da máquina de fazer dinheiro. Milhões de livros vendidos e muitos mais por vender, traduções às pressas a dezenas de línguas, um filme em vias de criação por Columbia Pictures, “Dan Brown tours” aos locais em Washington onde se desenvolve a história, videogames e toda a enxurrada de subprodutos imagináveis. It’s show business.

O Símbolo perdido/ Dan Brown/Sextante Ficção/512 p/R$39,90
Publicado no caderno 2 do Jornal A tarde em 19/12/2009

Um comentário:

  1. Eu adoro, você sabe, né? Leio tudo!!
    Estou tentando falar com você, por favor atende o telefone!! Tentei o de Lu e não funciona, aliás, tem uma cara que tento. Eu passei de carro e vi você caminhando em direção ao farol.Buzinei e você nem me deu bola. Tão linda!! Vamos na exposição de Duda, depois vai ter um coquetel. Estou tremendo de saudades! Espero que me atenda hoje e caso não, Feliz Natal, minha querida!
    Beijos,

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