domingo, 25 de abril de 2010

Um mergulho nos segredos inconfessáveis da cultura judaica: Isaac Singer


“Digo-lhes desde já que eu não era nenhum santo. Sucumbia quase por inteiro às paixões mundanas. Para preservar as aparências, estudava diariamente uma página do Talmude, mas no fundo cedia às minhas vontades. ”

escritor judeu nascido na Polônia, mais tarde radicado nos Estados Unidos, Isaac Bashevis Singer, ganhou o Nobel em 1978, mas ainda é muito pouco falado e estudado no Brasil. Felizmente, o recente modismo de se reeditar escritores do passado tem nos feito chegar obras como a de Singer: do quilate de escritores universalmente consagrados como Machado de Assis, Guy de Maupassant, Poe e outros que souberam traduzir como ninguém as particularidades de uma época.
A comparação, claro, é muito menos no estilo do que em uma crítica – ferrenha- aos costumes e tradições de um povo. A sua escrita possui um sabor especial; é como mergulhar nos segredos inconfessáveis de uma sociedade- neste caso uma cultura, a judaica – sob um humor bem resolvido e uma linguagem sem malabarismos, simples, evidente até, em meio a um tom de “sabedoria desencantada”.
Os contos do livro “A morte de Matusalém e outros contos” trazem temas ligados à inclinação do ser humano às paixões mundanas. Ao falar do cotidiano dos imigrantes judeus nos Estados Unidos e das comunidades judaicas do leste da Europa do início do século, Isaac destaca, nestas vinte narrativas, o que de mais íntimo o homem possui: a sua alcova. Desse modo, todas as histórias narradas passam direta ou indiretamente pelo sexo, ciúme, paixão, desconfiança, inveja, homossexualidade, adultério, cobiça e fraqueza religiosa.
Há uma crítica, entre outras tantas, ao machismo do homem judeu, ainda que não haja um julgamento desse homem. As mulheres em seus dias “impuros” são ignoradas e desprezadas, mas elas são também o objeto de desejo e o amparo de sua solidão. Os relatos de amor terminam em tragédia: abandono, traição, morte, fuga. O que impressiona, entretanto, é que o narrador dos contos, quase sempre um “escritor”, escuta as histórias que são narradas a partir das tradições judaicas, deixando um rastro de expressões em íidiche, hebraico, nomes e cerimônias sionistas, o que revela o quão apegado estava àquilo que “criticava”.
Singer tratou de revelar o homem judeu muito mais próximo ao mundo secular do que às sagradas e ortodoxas práticas, desmistificando-o e dando a ele o único possivelmente inegável: a sua humanidade, configurada, essencialmente, pelas suas fraquezas. Assim, desmantela as aparências para chegar à alma. É claro que vai também deixando por terra as aparências de uma cultura tradicional.
O sexo, o princípio de todos os desvios, o chamariz mais forte do homem, é explorado de todas as formas, mas, sem dúvida, no conto “A morte de Matusalém”, é caprichosamente destilado, num conto mítico, absurdo, fantasioso e alegórico que seduz o leitor de imediato. Ali, Matusalém, com 969 anos , encontra a mulher que desejou durante séculos, e vai ficar em dúvida entre se entregar à volúpia de sua amada ou receber o alívio da morte... A carne do “homem” é fraca.
Entre tantos temas, há espaço também para reflexões filosóficas e literárias. Citando muitas vezes Spinoza, o autor tenta desvendar os desejos do ser humano, enquanto usa uma personagem para trazer à tona suas indagações sobre a literatura: “O senhor escreve sempre sobre a questão do ciúme. Já reparou que os ficcionistas de hoje não escrevem mais sobre isso? Os críticos foram tomados de tamanha aversão pelo que chamam de romance de alcova que os escritores ficaram com medo”.
Entre as páginas do livro, um manancial de informações, desde a Torá, passando pelo Bar Mitzvá, Hanucá, Talmude, e etc, com um sabor de contos de uma tradição oral, que, no final do livro, ganha um excelente e amplo vocabulário para aqueles que não estão familiarizados, como eu, ao vocabulário dessa cultura tão próxima e ao mesmo tempo tão distante. “Sholem Aleichem”.
A morte de Matusalém e outros contos/ Isaac Bashevis Singer/Cia das Letras/ 237 p/37 reais

Publicado no Jornal A tarde, caderno 2+, 24/04/2010

Um comentário:

  1. Ya que estamos interesadas en el judaísmo jasídico: un poquito de hasidic rap, Y-Love. Espero que lo disfrutes.

    http://www.youtube.com/watch?v=mUimSNpqBgo

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