sábado, 30 de julho de 2011
Nosso grão mais fino
Sob finas palavras: incesto e solidão em paragens nordestinas
Milena Britto
Não há como se evitar, muitas
vezes, a necessidade de reconhecer
ecos de autores conhecidos
nas páginas de novos romances.
Para muitos – dos novos
escritores – uma falta grave
do crítico que sai impondo influências,
diálogos e toda a sorte
de encontros. O mais exato,
porém, é que há mesmo um
extasiar-se do crítico diante do
fato de sentir-se íntimo, cúmplice,
poderoso por tal reconhecimento,
conquanto este tenha
ainda aagudezdosurpreendente,
do inesperado, do único.
Ao ler Nosso Grão Mais Fino,
primeiro romance do pernambucano
José Luiz Passos, não
pude sequer disfarçar que, de
alguma forma, estava, juntamentecomonarrador,
voltando
à casa da infância. E não apenas
pelas sagas e tragédias de famílias
que para nós deixaram
José Lins do Rêgo, Graciliano
Ramos, GuimarãesRosa–faróis
da prosa regionalista brasileira
– ou pela densa e retorcida ficção
de Raduan Nassar e Osman
Lins. Não foi só, mas também
esse eco literário ali encontrado
que me fez mais surpreendida
com a força da narrativa.
Além da riqueza com a qual
explora a intimidade das famílias
feudais nordestinas–donas
de fazendas e de vis segredos –,
há a vastidão de sentimentos
que povoa corpos e mentes dos
que se acorrentam (ou se libertam)
nas vielas do incesto.
A construção da história de
Ana e Vicente, unidos e desunidos
por um amor mais extenso
do que a infância, dá-se
extraordinariamente em uma
confluência de vozes narrativas,
comalternância de Vicente, Ana
e Zelino – irmão de Vicente, que
talvez nem tenha existido além
da imaginação do irmão, mas
que nos faz testemunhar a disputa
pelo amor da mesma moça,
que termina arrebatada pelo
próprio tio, numa truncada trama
de incesto, desejo, solidão e
angústia.
Linguagem e estilo se colocam
em diálogo fértil, com metáforas
preciosas, vocabulário
rico, deixando que o erudito e o
criativo se encontrem bem. Um
escritor culto e engenhoso, que
tanto se abandona na prosa
poética quanto bem controla as
camadas de histórias; que deixa
Fedra,umacadelaquemorreao
receber um tiro, ser uma homenagem
ao mundo mitológico
tanto quanto à Baleia de Vidas
Secas. Que divide bem o
amor, o ódio e o medo dos “filhos
dos pais”.
Com Anquises e Diana, as caçadas
pela memória do pai ou
pela perdiz mais bela deixam o
leitor solto no ar, sem a segurança
de moral ou de regras. O
destino junta mesmo Ana e Vicente,
contudo os leva para outros
mundos, para além das terras
nordestinas. Mas eles voltam.
Seja nessa memória encravada
por lá, seja nesse delírio
que nos metemos com eles.
Muito bom ter o encontro do
contemporâneo e da tradição
que nos guarda.
Éprosafina, essa.Esobopeso
deumtempoquenemopesado
relógio de um sacerdote pode
calar. Estranha saga misturada
com ficção científica, ou quiçá
com um realismo fantástico renovado,
na qual um misterioso
suicídio durante uma viagem
num zepelim conduz o leitor a
um Nordeste tão universal, de
engenhos de açúcar, de caçadas,
de amor e de segredos.Um
vício particular nosso – da boa
prosa – na escrita de um nordestino
que fez do seu êxodo a
volta eterna para casa.
NOSSO GRÃO MAIS FINO / JOSÉ LUIZ
PASSOS
Alfaguara / 157 p. / R$ 38 /
objetiva.com.br/alfagu
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☞ volta eterna para casa.
ResponderExcluirOu será tentativa?;-)
ResponderExcluirAss.:Maistemporadadepatos