segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Aventura, mistério e denúncia na literatura para os jovens


Publicado no caderno 2 + do jornal A tarde


O meu imaginário e o de muitos leitores certamente está povoado por clássicos como “A ilha do tesouro”, “As aventuras de Tom Sawyer”, “O escaravelho de ouro”, “O jardim secreto” e uma série de outros que vai da literatura mundial à brasileira com Monteiro Lobato e tantos outros, incluindo os da coleção vagalume. Certo é que jovens gostam, sim, de ler e de colocar a mente à prova de complicadas redes de mistérios e aventuras. É só desligar a televisão.
Assim que o mais novo livro de Eliane Ganem - já reconhecida e premiada na cena literária para o público juvenil -, “O caso do elefante dourado”, agrada pela agilidade narrativa e uma bem montada rede de enigmas a la Agatha Christie.
Aliás, a heroína do novo livro, a engraçada senhora Tide, personagem de um outro romance da autora, é uma espécie de miss Marple. A atrapalhada, mas muito sagaz, personagem conquista o leitor imediatamente por sua atitude corajosa e faceira. A história ambienta-se na cidade do Rio de Janeiro e intrunca uma série de roubos, seqüestros e assassinatos num misterioso caso que vai do furto de quadros famosos, guardados num dos maiores museus italianos, ao tráfico de cocaína no Rio de Janeiro.
A inclusão do cenário carioca do tráfico de drogas, apontando para a violência tanto policial quanto dos traficantes, com assassinatos de jovens e garotos, sumiços de vizinhos e etc, é bem interessante e aproxima as mentes juvenis ao cenário brasileiro urbano, sem deixar de incitar a fantasia e a curiosidade, já que há referências à arte renascentista, à ciência da criptologia e outras pequenas chaves enigmáticas.
A personagem de Tide, na verdade Judith, é sem dúvida bem construída e há algumas cenas hilárias, como ela surpreendida por um traficante, quando está sendo devolvida pendurada em um helicóptero sendo trocada pela falsificação de um quadro de Rubens. A cena é bem descrita e a surrealidade aparente nos remete às cenas televisivas corriqueiras no universo do crime. Os seus disfarces também soam cômicos, já que produzem uma espalhafatosa velhota que, sem pieguices e com muita graça, expande-se em doçura e agilidade mental.
A personagem é uma jovem de espírito, com um bom movimento na trama, e o corpo já afetado pelas marcas da idade, o que confere mais humor à trama. A sua relação de igualdade com os meninos do tráfico e a polícia explora um outro modelo feminino de heroína, não tão incomum, mas fugindo um pouco das personagens politicamente corretas ou romantizadas.
Bom ressaltar que mesmo tratando de temas delicados e violentos, a narrativa do pequeno romance alcança um certo grau de crítica e se resolve bem, de acordo com o que se espera, sem cair em didatismos morais fáceis ou gratuitos.
É certo que falta mais desenvolvimento psicológico das personagens – quase que lineares -, e mais ambigüidade literária, mas a escrita ágil acaba por manter-se num bom nível.
Todo o mistério do elefante dourado e do roubo de quadros termina por cativar também os adultos que gostam de enigmas, embora deixe-os certos de que possuem uma boa coleção de aventuras que jamais se apagarão de sua memória. Em todo caso, é preciso manter viva a fantasia e a curiosidade juvenis, ainda que no cenário triste das favelas, do tráfico, da corrupção policial, da vulnerabilidade desses meninos e meninas que vivem, eles próprios, o desaparecimento de corpos de forma tão violenta e triste. E isso a autora faz bem. É uma boa obra para os que curtem aventura e mistério e possuem sentido aguçado de humor.
O caso do elefante dourado/Eliane Ganem/Record/Galera Record/106 p/R$32,00.

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