sábado, 23 de abril de 2011

Controle remoto e Cyberfuturo

Milena Britto – Professora do Instituto de Letras da Ufba

Há alguns anos, Lolita Pille chocava os leitores com seu romance “Hell – Paris 75016”, no qual expunha uma juventude parisiense fútil, existindo apenas para o sexo, as drogas e o consumo de marcas luxuosas. O livro virou filme e a autora, então muito jovem, ficou bastante conhecida internacionalmente. Recentemente, Lolita Pille deu uma virada de estilo e chegou com uma espécie de thriller que envereda pelo estilo cyberpunk, o romance “Cidade da penumbra”.
O que podia ser interessante no livro termina por fragilizá-lo: as muitas referências e retomadas de clássicos da literatura noir, cyberpunk e futurista terminam por dificultar o acompanhamento da história, a qual situa-se num tempo muito além do nosso já tecnológico “agora”.
Num futuro próximo, a “hiperdemocracia” Clear-World é o único poder. O céu escureceu, os gases poluentes não deixam passar a luz solar e os cidadãos são obrigados a viver da luz artificial projetada com recursos tecnológicos para imitar as mudanças do dia. Assim, dia e noite são convenções que - como diz uma personagem do romance - continuam atuando no cérebro humano: ainda que a noite não exista, é naquele artificial momento que os sórdidos desejos e ações saem à tona.
Há situações críticas num mundo onde a realidade artificial é levada ao extremo: juventude e beleza não são direitos, são deveres e caso alguém recuse a regra é “deportado” para áreas fora da cidade. Ali juntam-se os párias, os feios, os ineptos.
O suicídio é proibido e “monitorado” por aparatos tecnológicos, como um “Rastreador”, gerenciado pelo órgão “Preventiva Suicídio”, uma espécie de polícia secreta. É nesse serviço que trabalha Syd Paradine, um policial alcoólatra e taciturno, que percebe todo o jogo e que vive amargurado por sentir-se impotente naquela realidade aparentemente perfeita.
É essa personagem que vai começar uma investigação para evidenciar o que está por trás do suicídio do obeso Parker. Aliás, as primeiras páginas, narradas pelo obeso suicida, são as melhores do livro. Escritas com apuro literário e uma cáustica e crua sinceridade, fazem o leitor navegar numa espécie de limbo à espera da salvação.
É impossível não se debruçar sobre as muitas referências que Lolita usa para construir “Cidade da Penumbra”: o céu negro é uma reminiscência aos irmãos Wachowski e a Alex Proyas (há ali Matrix, Dark City); a felicidade obrigatória está no RPG Paranóia; os párias que ficam fora da cidade vão lembrar “Fuga de Nova York” de John Carpenter. Há ainda referências a clássicos da ficção científica como Adous Huxley, William Gibson (fundador do Ciberpunk) e outros.
É impossível não ter o de javu. A autora recupera bem as imagens; a descrição é bem detalhada do mundo onde o “banco dos mortos” é pior do que a realidade, as drogas são legais e anestésicos para a guerra e as crianças menores de 12 anos podem ser compradas e usadas como bibelôs decorativos ou brinquedos sexuais humanos. Nestas páginas é que a escrita de Pille é mais elaborada, atraindo o leitor, apesar do uso de um vocabulário trash desnecessariamente jogado aqui e ali que não funciona bem.
À medida que a história avança, contudo, fica visível que Lolita Pille não sabe para onde ir. O suicídio de Colin Parker se perde na história, não mais sendo retomadas as primeiras páginas do livro.
As personagens, em sua maioria, são sem consistência e florescem a cada página. Há superabundância e a escrita falha pelo acúmulo de metáforas grotescas que deixam o texto, no mínimo, confuso.
Apesar da tentativa e de momentos muito interessantes no romance, Pille não consegue fazer “Cidade da Penumbra” sustentar-se em sua própria estrutura. Ela, entretanto, consegue, e bem, plantar no leitor uma certa suspeita desse futuro que se aproxima.
Tradução Julio Bandeira/Intrínseca/304 páginas/R$29,90.

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