“Como as rochas, não gostava de máquinas, tinha horror das explosões. Encontrar atalhos preciosos no leito do rio não era motivo de alegrias passarinhas(...).” As palavras do conto “preciosidade” parece definir a premissa de Luciana Braga: seu devir poético, sua caneta deslizante desvia-se de explosões mecânicas ou programadas.
O seu primeiro livros de contos “Há cores e acordes” traz oito narrativas cujo eixo é a redescoberta. Prosa-poética que aposta na leveza e na inata força metamorfoseante da palavra, o conjunto da jovem autora, que já foi premiada com livros para crianças, traz a metáfora como a sua ferramenta principal para contar histórias.
Em sua forma particular de descortinar as suas personagens, o cotidiano se traduz em encontros subjetivos dos fatos com as palavras; são essas que parecem assumir o lugar das emoções, da surpresa, dos desencontros das personagens. Elas são algo vivo que roça suavemente o leitor, sem chocá-lo, sem explosões.
Em “Mudança”, um dos melhores contos do livro, a personagem nos leva para um lugar único, uma geografia outra, sendo a cidade um espaço de sentidos, guardador de passagens, sejam essas físicas ou vestígios de lembranças. Ali há encontros suaves com gatos e meninas, metáforas e segredos se misturando ao passado e ao presente de forma que todos os mistérios da morte sejam sutilmente entregues. A naturalidade desse fato vem da possibilidade de se ter na memória um cúmplice: a vida é caminho sem fim em sua beleza.
Maria e Osório compartilham suspeitas de amor em “Preciosidade”, com fugas dando-se, paralelamente, ao desejo de encontrarem-se na natureza antes de tudo, já que - como rio ou como terra- homem e mulher ali se traduzem. Amor, desejo, viuvez, maternidade: pactos de quem se deixa entregue ao sentimento.
Em “Fotografiló”, outro belo conto, Filomena sobrevive “fabricando pequenos milagres diários”. Sua existência pelos cantos da fria rodoviária, ou pelos sítios desertos e despudorados do abandono, emociona o leitor aproximando-o da vida crua de um não conto de fadas. E a poesia daquela prosa ajuda o desbravar desses lugares destinados aos solitários abandonados, faz-no ainda mais perto.
As tulipas amarelas do senhor Grendo ou a Rosa de algum revolucionário fazem parte do mesmo baú: são prendas escondidas na vida dos contos, descortinadas por poesia, beleza de arranjo que faz o leitor se ater a algo lá fundo; são qualquer sentimento estranho que guardávamos em repetidos cotidianos e diferentes desejos. Aquela recusa sempre ensaiada ou a entrega inusitada: a autora domina os segredos. “Butin de guerra”, “Dominique”, “À beira de amar”... seus contos são todos sopros de vida; de convite ao assentamento nesse tempo irrequieto e violento.
Luciana Lorens Braga fala de amor, de morte, de maternidade, velhice, memória, encontro, abandono, solidão. Para ela é tudo razão para a beleza do contar. A sua intimidade com as palavras é seu trunfo, embora se exceda nas imagens em alguns contos, sobrepondo-as desnecessariamente. Mas é com metáforas fortes, uma consciência de ritmo, de sonoridade, de “peso” que recombina as palavras todas, rearranjando-as de forma particular. Sua escrita é delicada e ao mesmo tempo forte. Seu tempo de histórias é qualquer um, ela não se preocupa com marcas, assume tranqüila um certo olhar: quer a sua escrita impregnada de alguma poesia à qual se relaciona.
Cachorros, gatos, meninas, ruas, rios, flores: Luciana não se limita. Ela se joga no vão lírico de sua prosa, deixa-se livre na aposta pela doçura, pela recusa à violência mesmo quando denuncia o feio que a vida guarda. As palavras são quase uma proposta de vida. Descobrir o cotidiano e reinventá-lo é fato; a escrita é o final do divã, o leito do rio, a última flor arrancada.
Há cores e acordes/Ofício das palavras. 159p.
domingo, 13 de novembro de 2011
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário