domingo, 13 de novembro de 2011

Atrás da sinagoga

em: 2+ em 12-11-2011

O escritor norte-americano Philip Roth recebeu críticas ruins com seu romance anterior, mas “Nêmesis” eliminou qualquer dúvida possível sobre o seu declínio como autor. Roth se move na tradição norte-americana de grandes escritores usando um estilo jornalístico com recortes de poesia.
“Nêmesis” se passa na comunidade judaica de Newark, New Jersey. Durante o verão de 1944, eclode uma epidemia de poliomielite. Não é a primeira vez, mas o número de mortos cresce dramaticamente. Cantor Bucky, um jovem professor judeu que dirige uma escola de verão, enfrenta a morte de seus alunos com uma mistura de espanto e raiva. A vida de Cantor, um herói corroído por dúvidas éticas e morais, não tem sido fácil. Sua mãe morreu no parto, seu pai passou um tempo na cadeia, sua miopia o impediu de se alistar no exército para lutar. Ainda assim, os avós maternos tiveram o cuidado de dar todo o carinho que uma criança pode aspirar. Seu avô lhe ensinou disciplina, princípios morais fortes, auto-controle. Aos 23 anos, Cantor é um professor responsável e comprometido com o bem-estar dos seus alunos, quase um irmão a quem todos tem amor e respeito.
“Nêmesis” é dividido em três atos, um recurso comum em Philip Roth, que joga com o ideal clássico da catarse. O romance começa como uma história idílica ofuscada pelos primeiros casos de poliomielite. Mas a dor que invade o coração das famílias afetadas desfaz qualquer ilusão de solidariedade. Essa dor não sai com demonstrações de carinho ou com palavras de conforto na sinagoga.
“Poliomielite” é desconfiança, raiva, ressentimento. Poliomielite não se limita ao corpo doente. Seus estragos também são refletidos na podridão moral de uma sociedade que perde a confiança em Deus, na justiça ou misericórdia. Philip Roth faz da poliomielite uma metáfora, inspirado na peste de Camus, que alerta para os perigos do fascismo, um vírus que pode adormecer até ter a oportunidade de retornar. Roth vai ainda mais longe: o problema não é o fascismo. O problema é a condição humana. Nossas reivindicações morais são fantasias retóricas; algo pode se desmoronar quando se vê o medo. O pânico nos traz de volta à “pré-moral” do Estado.
Cantor terá de enfrentar um dilema moral que irá testar a sua integridade quando oferecem a ele um trabalho longe do foco da epidemia, pois terá de abandonar seus alunos. Ele será obrigado a escolher e determinar se vai viver de acordo com suas exigências morais ou sucumbir ao apelo de seu destino.
Philip Roth não fugiu do desafio de enfrentar mais uma vez a bondade presumida de Deus. Se Deus é bom e onipotente, por que ele permite a morte de inocentes? Cantor acredita que Deus age como uma velha estúpida e cruel.
“Nêmesis” é um romance extraordinário, onde se vê o talento de Roth como um contador de histórias e seu compromisso com os grandes temas da literatura: o ser humano, a morte, Deus, o mal, o irracional, a tensão entre o indivíduo e a comunidade, a crueldade da sociedade americana onde o “mal” parece ser uma presença permanente. Seria absurdo procurar esperança nestas páginas. Philip Roth não tinha a intenção de desenhar uma fábula moral. Simplesmente, ele mostra a tremenda vulnerabilidade dos seres humanos. No final, todos fracassam na mesma infelicidade.
Trad. Jorio Dauster/Cia das Letra

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