Finkielkraut não é um desses críticos reacionários. Ao contrário, é um desses raros estudiosos que se entrega sem medo às letras, desejando ser transformado a fim de compreender a modernidade em perspectiva. Diante da escassez de “leitores complexos”, Alain é um ousado leitor que, contra o espírito da época encarnada pelos caprichos do imediatismo, do entretenimento forçado, ou dos ditames de uma socialização excessiva, inerente ao “progresso das mídias”, acredita na cumplicidade permanente da literatura.
Em sua opinião, o romance não se reduz à produção de ficção, mas é exigido pela inesgotabilidade dos seus discursos para o mundo. O seu encantamento diante do livro vem acompanhado de uma surpresa, talvez a mesma surpresa que o leitor encontra na citação sobre o Rei Salomão no prólogo sobre o título de sua obra: “O Rei Salomão suplicava ao Pai Eterno que lhe desse um coração inteligente. (…) Deus entretanto se cala.”
Sobre a escolha de sua lista para os ensaios, o autor diz que se baseou em sua emoção para a escolha. Assim, em “Um coração inteligente”, a biblioteca ideal do filósofo não é exaustiva. Com nove livros, ele se debruça sobre o espírito literário, interpretando os desequilíbrios entre a existência e a arte; entre a vida e o desejo, a justiça e o sofrimento. Seu caminho literário é "A Festa de Babette, de Karen Blixen, “Tudo passa”, de Vasily Grossman, “História de um alemão”, de Sebastian Haffner, “Lord Jim”, de Joseph Conrad, “Mancha”, de Philiph Roth, “Primeiro homem”, de Albert Camus, “Memórias do subterrâneo”, de Dostoiévski, “Washigton Square”, de Henry James e “A brincadeira”, de Milan Kundera. Todos estes textos promovendo discussão profunda e evidenciando verdades essenciais que podem complementar a faculdade de julgar, o grande mote dos ensaios de Alain Finkielkraut.
Alain vai de Kundera a Conrad para mostrar, com os livros que ele confia, que é capaz de decifrar a sua existência pelo viés literário. Intelectual íntegro, Finkielkraut tem levado a cabo uma sólida e fértil obra ensaística, oferecendo uma severa crítica da deriva experimentada pela noção, ilustrada e racional, de “cultura” na segunda metade do século XX, ao ser modificada pelo que tem sido chamado de “estudos culturais”.
Em seu livro “Um coração inteligente”, ele põe-se todo à serviço da literatura, sem artifícios, mas com um profundo conhecimento e, mais do que nada, uma profunda paixão pela vida, pela democracia e pela arte.
Finkielkraut interessa-se por examinar o trabalho do autor, ir profundamente ali e "em vez de proceder por item, interessa-se em contar uma história." Ele assume o papel de defender a Literatura como o caminho para a informação, tanto no âmbito pessoal quanto num escopo universal. Sem a literatura “as leis da vida são apenas uma lista de idéias conhecidas, mas sem jurisprudência”.
Essa literatura que valoriza Finkielkraut cura a arrogância. Ele oferece um remédio para figuras esquecidas, deixadas às margens da história. De fato, como dito no prólogo, “Um coração inteligente” é um conjunto de ensaios sobre romances e leitores. É a reivindicação da literatura como ciência social. E o autor ainda consegue ser modesto neste livro fascinante. São nove histórias e nove formas de “rever” o mundo. Com a literatura e com o coração “inteligente”.
Um coração inteligente/ Civilização Brasileira/238p./R$ 37,00.
domingo, 13 de novembro de 2011
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