domingo, 13 de novembro de 2011

Compre um minuto de dança!

Aparentemente, não tenho nada a ver com dança e quando me atrevo a escrever sobre isso é sempre partindo da idéia de que o texto é algo para além da palavra escrita, com signos verbais, não-verbais, movimentos, estados, experiências que promovem sentidos “narráveis”. É assim que não me furto a falar de dança, de cinema, de música, de arte. Mas é ainda mais como “consumidora” que esse texto me vem.
Em princípio, fui para ver um espetáculo de “dança contemporânea” na abertura do “Quarta que dança” – um merecido espaço para os profissionais da dança e para os que gostam de assistir a essa arte, mas não encontram muitas oportunidades na cidade - contudo, encontrei, digamos, outro “produto” lá. Encontrei uma proposta interativa que incluía a dança.
“Compre um minuto de dança”. Esse foi o apelo da dupla de dançarinos do grupo Núcleo B no espetáculo “Mercado Livre”. O trabalho é uma híbrida composição que envolve técnicas de dramaturgia, dança, performance, instalação e “talk show”. Há um figurino disponibilizado em uma arara no palco, um “menu” de músicas e dois dançarinos. O público que quiser “comprar” um minuto de dança, vai lá, escolhe o figurino, o bailarino, a música.
A proposta é interessante, sobretudo porque o público se vê envolvido em algo que parece distante dele: a composição de uma cena. Também pela crítica bem humorada do consumo - ou não consumo - da arte e da mercantilização do corpo.
Bel Sousa e Roberto Basílio se esforçam para fazer o público comprar um minuto de dança, como se estivessem numa loja oferecendo promoções relâmpagos ou numa feira vendendo seus produtos. “Qualquer coisa” pode pagar esse minutinho de dança, é só o público se disponibilizar a sair de suas poltronas para isso acontecer. O primeiro a ser escolhido é a música e, no “cardápio”, há Arnaldo Antunes, Beirut, Mozart, Metallica, Olodum, Sidney Magal, Rihana, Café Tacuba, Roberto Carlos, Beyonceé, Tahaikovsky, e muitos outros, de estilos os mais diversos possíveis, pop, brega, rock e clássico. E a “dança” oferecida sempre irônica, desconstruindo os lugares, brincando com os estilos.
O figurino também tem peças de variados estilos, mas exploraram pouco o vestuário masculino.
A brincadeira é divertida, confesso. Até eu me senti animada para ir lá “comprar” uma dança. A platéia se vê, pouco a pouco, cativada pelo lúdico da ação e interessada na crítica que se insinua à nossa confusa sociedade consumista – nem sempre consumindo arte.
O problema é que a proposta acaba falhando por não conseguir chamar a nossa atenção pela dança propriamente dita. Por ser muito rápido cada “quadro”, e parte do tempo ser utilizado na “interpretação” do texto-música, o que sobra de dança nisso aí é pouco e, além disso, há uma repetição dos mesmos movimentos em músicas diferentes, com os bailarinos arriscando muito pouco no desenvolvimento da criatividade em cena.
Apesar de poder ver que há técnica, é ainda frágil a abordagem da dança, não sendo ruim, apenas pouco explorado o potencial da dupla. E imagino que parte disso é justamente a junção de linguagens diferentes sem o tempo necessário para amadurecer esteticamente o trabalho.
No improviso teatral também acaba por faltar mais “texto”, mais exploração da própria idéia do mercado que eles levaram (gostei muito de quando eles falaram sobre comprar um livro e não se poder comprar uma dança, por exemplo, mas no geral se repete muito o apelo da compra da dança sem maiores referências ) embora haja domínio de palco por parte deles.
Quem se dispõe a fazer algo assim, sabe muito bem o quanto de dificuldades vai encontrar. É realmente um desafio equilibrar as diferentes técnicas necessárias para um espetáculo interativo e de multilinguagens artísticas. É preciso, portanto, trabalhar bastante, respeitar mais o tempo que se pede para amadurecer o trabalho, tanto esteticamente quanto tecnicamente.
Mas cada momento ali é único, assim que as demais apresentações que o grupo fará, merecem ser conferidas pelo público, tanto adulto quanto infantil. É divertido, é interessante. Aliás, aqueles que gostam de dança devem experimentar ir aos espetáculos do “Quarta que dança”. Custa apenas dois reais a entrada e é oferecida uma variedade de estilos de dança. O “Quarta que dança” é um projeto que sai de Salvador para mais duas cidades, Paulo Afonso e Juazeiro, contudo, espero que seja ampliado para outras cidades do interior do Estado, tão carente de projetos artísticos dessa qualidade e acessibilidade.
Na estréia deste ano, um espetáculo que tem menos dança, mas ainda assim oportuno para dar a cara do projeto: artistas e público convidados para festejar, prestigiar, descobrir a dança feita por gente de nosso Estado.O Núcleo B tem grande mérito na composição do trabalho de estréia e trouxe uma proposta de fato interessante. Espero vê-los em algum outro espetáculo, dançando mais, explorando mais suas técnicas, seus talentos, seu potencial. Vendendo a dança por essa cidade que, apesar de tanto movimento, andava precisando de bons espetáculos.

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