O mundo, como está, é confuso para nós, que dirá para os pequenos. Mas é neles que temos de investir em se tratando de aguçar a fantasia, despertar o desejo de sonhar, estimular o prazer de ler.
Falamos de crise na leitura, cada vez mais sendo substituído o livro pelas mídias, pelo cinema. É tudo muito bem-vindo, quando com qualidade, estética interessante, histórias emocionantes e divertidas. A convivência de todas as formas de textos, do oral ao escrito, passando pelo iconográfico, é interessante e importante. Apenas não queremos que o livro saia de cena; há ainda nesse suporte o encanto milenar de virar páginas, descobrir o segredo das palavras, jogar com sentidos como se joga com brinquedos.
A literatura para os pequenos tem sido sempre algo especial, grandes escritores universais e brasileiros- de Esopo e La Fontaine a Chrales Dickens, dos irmãos Grimm a Maurice Sendak, de Julio Verne e seus livros de aventura a Ana Maria Machado e Lygia Bojunga, de Marina Colasanti a Sérgio Vaz e Ferrez, passando por Clarice e sua galinha, Cidinha da Silva, Glaucia Lemos, Ruy Espinheira, Antonio Torres, Jorge Amado, enfim, de escritores locais aos mundiais, temos o lúdico, a fantasia, a poesia e a aventura presentes na nossa memória da infância, acrescentando-se aí os contos das avós em rodas de quintais.
Mas não é fácil escrever para eles, os pequenos. Cleise Mendes – dramaturga, escritora - e Paulo Rufino- que ainda não havia ilustrado para os pequenos- num gesto de carinho, juntaram-se para trazer “Gabriel e o anjo da bagunça”, lançado há pouco tempo pela Camurê publicações, num projeto do banco Capital, com a coordenação de conteúdo feita por Lena Lois.
A história de Gabriel, um menino que é surpreendido com uma bagunça tão bagunçada que ele mesmo se espanta, é um texto aparentemente simples, mas complexo em sua idéia: entre descobrir e pensar nos mistérios do cotidiano de uma criança, a personagem se embrenha por um mundo de fantasia, de aprendizado, de controle de medos infantis, de descobertas.
O texto apresenta diálogos e narração, além das ilustrações de Rufino. Como eu disse, é difícil escrever para crianças, decidir sobre adequação de linguagem, estrutura, tamanho, tipos de desenhos e técnicas. O livro é bonito, mas em certo momento fica difícil decidir para que idade ele é destinado, tem mais texto do que o comum para uma criança muito pequena, e ao mesmo tempo a escolha do vocabulário e a economia de metáforas são acertadas para os menores.
A opção pelas frases literais e uma certa objetividade por um lado é interessante em se pensando que não devemos subestimar o alcance das crianças, mas também acaba por, a depender de quem lê, deixar a história mais ligada ao real do que ‘a fantasia. Isso, claro, é equilibrado com as possibilidades fantásticas no quarto da criança.
Os diálogos começam a ficar mais interessantes no meio do livro, a autora parece soltar-se mais e ela própria passa a viver tudo com Gabriel. Da mesma forma, os desenhos começam muito na tradicional ilustração do texto; só em certos momentos deixando que a imagem seja o prolongamento do mesmo, seu complemento.
A técnica do artista é boa, ele se dedica ao trabalho com seriedade e cuidado. As ilustrações imitam a textura do material escolhido, o giz de cera, o lápis de cor sobre papel. É gostoso perceber a textura sugerida ali. E o papel, como o design gráfico do livro, foi feito cuidadosamente. Gostei mais das ilustrações que também “se soltaram naquele quarto”, naquela fantasia, como a dos fantasmas, a das cortinas voando, a do sol, do avião... a do sapo eu dispensaria.
Cleise Mendes respeita os pequenos, trata de deixar ali a sua mensagem: eles devem ser livres em sua fantasia e sentire-se seguros para resolver seus mistérios e medos. As crianças, como Gabriel, podem descobrir a si mesmos e sobre o mundo enquanto se deparam com o inesperado, com a surpresa, com as suas angústias. Vão aprendendo a ser responsáveis. E tudo isso com muita traquinagem e bagunça, amigos invisíveis, mistérios e bichos de estimação. A autora também insere, implicitamente, a relação dos adultos ali e os limites entre verdade e fantasia.
É um texto que traz um menino comum de uma família em “situação normal”. Gosto de que Gabriel seja uma criança que, sendo negra na história, também podia ou pode ser branca, mulata, misturada. Um projeto interessante nessa difícil – e bota difícil nisso – tarefa de escrever para crianças.
domingo, 13 de novembro de 2011
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