domingo, 28 de novembro de 2010

Encontro com Benjamin Moser, biógrafo de Clarice, no Instituto de Letras da UFBA



Para quem perdeu a noite da Livraria cultura com o escritor Benjamin Moser, biógrafo de Clarice Lispector, uma oportunidade a mais. O escritor estará no Instituto de Letras da UFBA, às 13 hrs do dia 29/11, segunda-feira , para conversar sobre a sua obra, considerada a mais completa biografia da autora brasileira.
O quê: Benjamin Moser
Local: Instituto de Letras
Data: 29/11
Horário: 13:00
Promoção: Grupo Rasuras de estudos de linguagens/ Departamento de Letras Vernáculas/Departamento de Fundamentos para o Estudo das Letras/Instituto de Letras da UFBA

domingo, 21 de novembro de 2010

A poesia em Tarja Preta






Publicado no caderno 2+ do A tarde em 20/11/2010

“Minha mãe me chamava de mestiço/a professora já dizia moreno/a vizinha falava mulato/e o meu pai achava tudo engraçado.”


Os versos do poema Qual é a cor? do poeta, MC e cantor Zinho Trindade, bisneto de Solano Trindade, desperta os cantos abafados da história mal contada: o racismo é invenção, ninguém viu e ninguém vê.
Nas estrofes, a verdade de quem se descobre negro enquanto percebe que sua vida vale menos - porque sua cor é outra - instaura-se na memória como canto: “Quando eu era pequeno, eu não sabia/Eu não sabia, eu não sabia não/Não entendia a cor/Qual o valor/ O porquê brigar e o porquê amor”.
Com prefácio de Nelson Maca, Tarja preta é o primeiro livro de poesia de Zinho Trindade e, seguindo o tom da literatura periférica - ou marginal-, localiza no presente temáticas e propostas. Os versos insistentes denunciam o Brasil injusto, racista e violento de muitos: “Terras paradas, latifúndio vazio.../Tupi, Pataxó, Xavante, Pancaruru, Cariri/Tupinambá, Carijó, Funiô, Carajá/Potiguá, Tupinajé, Caeté, Ianomâmi/De 10 milhões a 280 mil./Ser humano em extinção/O moleque, o fuzil/Na pátria que ninguém viu.”
Cordialidade não há naqueles versos da literatura cunhada por Nelson de “Dissidente”; há, contudo, a crônica cotidiana da luta, o “retrato de uma guerra nada particular”, o ritmo dissonante do hip hop, as batidas do maracatu, o ronco dos tambores. Há ainda uns versos excepcionais - em meio a outros nem tanto- e uma outra história embalada em falares populares, português coloquial e musicalidade afrobrasileira.
As pegadas contemporâneas dos mixies improváveis se costroem nos versos que deslizam do presente, deixando, a uma só vez, vestígios da ancestralidade do povo negro e compreensão tenaz da realidade bruta do nosso tempo: “Escreveu não leu, o tiro comeu, menor se fodeu e a/ polícia venceu.”
A poesia de Zinho Trindade “brota do campo da batalha”, como diz Maca; é armada; a lança afiada de um guerreiro que, além de estar pronto para a batalha contra o sistema bruto e violentamente racista, sabe que há que se dominar o inimigo dentro de si mesmo, vencer qualquer vestígio da outra história: “Quantas vezes/Não me senti um nada/Um mísero nada./Um cigarro queimando, /Morrendo lentamente/São nesses momentos que derrubamos o Golias/Que nos habita.”
Zinho sonha, canta, denuncia, grita, acorda Solano, o outro Trindade. E com saber agudo, entre os trampos dos pretos, a paulada da história traidora e a força de sua negritude, o poeta ainda arregaça com ironia cáustica o resultado do progresso elitista no poema My Machine: O homem/É a sua própria máquina/Seu espelho/ Pequeno para si próprio/E a sua ambição/ Será a degradação.” Que esse Mestre de Cerimônia continue firme na trilha – urbana – da poesia. Que o diálogo com Solano prossiga, a poesia venha, a denúncia se faça, o soluço continue e o zumbido das balas transforme-se em outros “ZUMBIdoS”. Que o poeta Zinho Trindade, faça, sim, barulho. De pássaro-preto rebelde.

Tarja Preta/ Edições Maloqueiristas/ 83p. 2010/R$15,00

domingo, 14 de novembro de 2010

Uma carta de Kafka ao pai, uma canção de ninar: a memória de um filho


Publicado no caderno 2+ do A tarde em 13/11/2010

“Ao se dirigir a seu pai, Hermann Kafka, Franz não só me roubava minhas palavras, mas usurpava meu lugar de filho. As mesmas palavras que, em minha garganta, provocavam feridas que me impediam de falar, ditas por Franz descerravam a verdade”.

Não sei o quão verdadeiro é Ribamar, de José Castello, em termos de fatos; não nos faz falta saber. Porque há um caminho verdadeiramente incômodo a ser seguido nessa obra tão peculiar, mistura de memória, ficção, biografia, ensaio.
O “romance” sinuoso é escrito sob a escala de uma canção de ninar, transformada em partitura, com cada seguimento guiando os capítulos em tema, tempo, ritmo, sentimento.
Engenharia textual das mais finas e fortes, dando ao leitor completa incursão à intimidade do sentimento de um filho para com um pai cuja “ausência” – ambígua – já não deixa espaço para enfrentamentos concretos, restando à memória o dever de resolver esses espaços de amor, assombro, ódio, admiração, desconhecimento, mágoa, falta.O crítico que escreve para a Bravo, o Prosa e Verso e o Rascunho, admirado por seus textos de acento proeminente, literatura farta e escrita que faz de si mesma um caminho aos temas que trata – jamais fechando ali as portas e sempre se colocando significativamente no texto – já ganhou um Jabuti e escreveu sobre João Cabral de Melo Neto e Vinícius de Moraes experimentando o gênero biográfico.
Mas esse romance sobre José Ribamar, seu pai, é muito mais do que uma biografia. Por seu caminho de construção, é um texto sobre outro ou um texto ligado a outros; um cruzamento de sentimentos que vai do assombro à raiva, do amor profundo à frustração, da pena à punição, à descoberta do esquecido. E ainda põe em evidência as formas ocidentais nas quais o sujeito guarda suas histórias na ânsia de retê-las, como diários, cartas, notas, dicionários que oferecem palavras ao infinito, bíblia que oferece mitos religiosos e mitologia clássica que segura arquétipos: em todos os textos, o nosso. Mas quais são seguros para nos guiar àquilo que desconhecemos, embora tenhamos vivido?
O autor encontra em Franz Kafka uma coincidência de sentimento em relação ao pai e usa Carta ao pai, do próprio Kafka, para analisar a relação deste com o seu progenitor.
Ambos, o narrador e Kafka, encontram-se muitas vezes nas semelhanças de sentimentos e de desejos – “só consigo escrever porque faço de Kafka um biombo” –, e Franz acaba sendo o espelho, o duplo, a sombra desse narrador que vai analisando a relação de Kafka com o pai, Hermann, enquanto reconstrói os fatos da vida de seu próprio pai e, mais do que tudo, encontra pedaços de vida sua e desse pai, encontra sentidos e sentir, restos de vida esquecidos ou ignorados pelo medo.
Descobre a sua ira e o seu amor contra aquilo que todos acabam sendo: pais e filhos.
A viagem que o autor fez ao Piauí, terra de José Ribamar, não traz histórias completas e sim partes do que poderia ter sido – ou foi –, mas vai revelando a luta do escritor para sedimentar um caminho, para concretizar em ação aquela busca sofrida de conhecer e se recompor na história “de” e “com” o pai.
Usando a literatura para pensar nos mistérios da memória, sendo essa a da vida, dos sujeitos e da própria literatura, o autor arrisca-se na edificação desse romance de encruzilhadas, de mil pontas, que vai de Tirésias à Kafka, passando por Defoe, Castro Alves; que sai de cartas e diários e vai à canção de ninar, recuperada anos depois, com uma voz crítica analisando etapas, mas mostrando ser impossível controlar o fluxo da própria história: “A escrita é traiçoeira, você pensa que escreve uma coisa e escreve outra”.
Com Kafka, Ribamar e Castello, o leitor compartilha aquilo que nunca nem pensou; encontra sentido em páginas nunca lidas e em respostas nunca dadas – quem sabe se o pai de Kafka leu a carta do filho? Quem sabe se o pai de Castello leu o livro Carta ao pai dado por ele? a quem servirão essas páginas erguidas da memória e da fantasia? – O leitor chega assim muito próximo ao caminho do narrador que oferece com verdade o seu lugar, o seu propósito, as suas dúvidas, ainda que ponha na mesa a falta de resposta:
“Talvez você não entenda. Mesmo ignorando minhas razões, percebe que me abstenho de ser. Isso me basta.”
É um livro denso e farto, bem escrito, embora difícil e ao final nos chega, não por Kafka, como uma carta “não escrita” ao pai.
Ribamar é uma aventura dura aos sítios obscuros da relação entre pai e filho, é um texto de uma humanidade cortante, ríspido muitas vezes, absolutamente embebido em amor em outras; um texto que comove por todos os lados, que se revela dentro e fora, que dá à palavra todas as formas de paixão, que desvenda e homenageia a literatura em seu lugar mais simples: a de se relacionar com o homem, de servir a ele, de falar por ele, com ele. E com seu pai.

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Poeta, Mc e ator Zinho Trindade lança livro em Salvador

Hoje 09/11 Lançamento Tarja Preta -UFBA -Salvador -Bahia 17H
O grupo de pesquisa Rasuras: estudos de práticas de leitura e escrita e o Sextas poéticas Sarau convidam para o evento de lançamento do livro Tarja Preta de Zinho Trindade, nesta terça-feira, 9 de novembro, das 17:00 às 19:00, na sala 110 do PAF 3 (Campus de Ondina da UFBA).

Zinho Trindade é poeta, ator e MC Free Style. Herdou a tradição familiar na pesquisa e divulgação da cultura popular afrobrasileira. Bisneto de Solano Trindade, poeta popular e neto de Raquel Trindade que se mantém à frente do Teatro que leva o nome de seu pai em Embu das Artes (SP), Zinho Trindade vivencia cotidianamente as raizes culturais brasileiras. É integrante da banda O Legado de Solano onde mistura música contemporânea com ritmos afrobrasileiros. Tarja Preta é o seu primeiro livro publicado.
(Texto de apresentação retirado da orelha do livro Tarja Preta)
PROGRAMAÇÃO:
17:00 – Exibição do documentário Solano Trindade: 100 anos (direção: Alessandro Guedes e Helder Vieira).
17:40 – Palestra de Zinho Trindade sobre sua atuação político-artística e sua vinculação genealógica ao trabalho iniciado pelo seu bisavô, o poeta Solano Trindade.
18:20 – Lançamento do livro Tarja Preta (valor: R$15,00) ao ritmo dos poemas recitados pelos jovens integrantes do Sextas Poéticas Sarau do ILUFBA.
Entrada gratuita!

domingo, 7 de novembro de 2010

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Cortázar nos perde em Paris dos anos 60 e encontra-nos numa estação de trem


Publicado em 30/10/2010 no caderno 2+ do Jornal A tarde

“E já que vamos contar, é melhor pôr um pouco de ordem. A gente desce cinco andares e já está no domingo, com um sol inesperado para novembro em Paris.”
O desejo de pôr ordem no caótico emaranhado de fatos, expresso pelo narrador de “As babas do diabo”, que inspirou o filme “Blow-up” do Antonioni, não é um capricho qualquer. O fotógrafo, personagem do conto, duvida da realidade que seus olhos pensam ver mediada por uma câmera e a poesia dramática da vida se ergue sem imagens: essas são tão irreais que se confundem com as palavras.
São tantas possíveis maneiras de “desnarrar” o que se pretende contar que as páginas viram cenas de cinema; estas se transmutam em algum jazz extraordinário, para bons ouvidos, que depois explode em literatura, que inventa cidades, que devolve o tempo ao homem, que vira leitor, que redescobre o livro para nele se reinventar e começar outra vez. Essa realidade porosa vai escancarar a complexidade da vida e do ato de viver a vida num descompasso alucinante.
Os contos de “As armas secretas”, de Julio Cortázar, lançados pela primeira vez em 1959, são peças nobres da literatura. Cinco histórias que levam grandes projetos literários voltarem a ser pensados, do idealismo romântico à fragmentação pós-moderna. O elemento fantástico, tão peculiar na obra cortazariana, não surpreende em seu estado de absurdo, mas por ser colado à realidade invisível e emanar da simplicidade contida no cotidiano.
Como se desmontasse várias camadas de literatura, e de fantasia, o autor, no conto “Cartas de mamãe”, esmiúça o universo psicológico da personagem principal, um filho que recebe cartas da sua mãe, e leva o leitor a um percurso com o próprio narrador. As cartas chegam a um cotidiano em Paris, vindas de Buenos Aires, do cotidiano de uma mãe solitária. Narram cotidianidades e mantém segura a vida de todos os envolvidos, incluindo a nós, leitores.
Um dia, uma palavra na carta, numa frase corriqueira qualquer, um nome próprio fora do lugar, um equívoco, desarruma tudo: a vida, os dias, o conto, a literatura. Um morto vai chegar no trem das 11:45, um irmão culpado pena entre uma e outra carta da mãe que “ está louca!” e escreve coisas absurdas, uma esposa mente para o marido e sonha com o falecido cunhado, uma traição inventada pela nossa desconfiança e um escritor revelando segredos da escrita e de seu ofício. Uma carta, uma palavra fora do lugar esperado e com isso a literatura construindo o impossível.
A delicadeza dos sentimentos das personagens algumas vezes se transforma em ironia das mais finas, e o leitor vai adentrando-se nas nuances variadas dos fatos. Em “Os bons serviços” o narrador introduz uma ambígua naturalidade aos mais absurdos fatos que acontecem a uma senhora diarista que serve à burguesia francesa. Cuidando de cinco cães enquanto os patrões se divertem numa festa, a personagem descobre, antes de nós, que tudo é sonho e pesadelo, que as realidades se confundem porque somos presos a elas. Entre a trágica situação dessa miserável e quase abandonada diarista, todo o espetáculo da morte se revela: contratada para chorar um defunto, ela se depara com o único ser que tivera com ela um gesto de carinho. E suas lágrimas falsas se tornam verdadeiras, embora ela jamais saiba o que é aquilo tudo, quem são aquelas pessoas que a levaram de uma sala com cães a um velório...
O livro vai se desdobrando em percursos inesgotáveis. Sobrevivemos aos contos pensando serem extensão de nossas vidas, de nossos sonhos. Os aspirais eróticos de cenas que nada possuem de explícitas fazem-nos crer numa força secreta, num mundo secreto, que nos deixa cegos diante do caminho sem fim. A ruína, o desejo, a fantasia e a realidade estão ali, no livro de Cortázar, mas poderiam, como disse Arrigucci Jr., estar num Juan Rulfo, num Borges, num Onetti. Poderia pelo fantástico da obra, pela genialidade da escrita. Mas não pela bem truncada prosa, não por esse jogo - que sempre funciona por mais que o saibamos - do escritor consciente brincando com o fantástico e um falso descontrole. Os cinco contos nos chegam desafiantes, como a vida desafiou o artista Cortázar a sobreviver e escrever naquele seu – nosso – tempo. Ouçamos um jazz e salvemos do suicídio qualquer personagem, enquanto outros caminham em nossa direção na estação de trem. Em Paris.